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Conhecemos um caminho maldito: o Centro Acadêmico XI de Agosto e os 60 anos do Golpe Militar

O sexagésimo aniversário do Golpe Cívico-Militar de 1964 recoloca na ordem do dia da esfera jurídica e da política brasileira inúmeros questionamentos acerca dos elementos conjunturais que abriram margem para a deposição criminosa do governo de João Goulart.

Disputa-se, igualmente, quais fatores político-sociais resultaram na redemocratização e na Constituinte. Não menos importante, o presente nos impõe um debate ainda mais prioritário: de quais meios dispomos para repelir novos rompantes autoritários das Forças Armadas e da Extrema Direita na América Latina? Para fazer frente a esses três questionamentos, as ações dos movimentos populares e estudantis são orientadas, nessa data, por um mote comum, e de forma uníssona reivindicamos “Memória, Verdade e Justiça!”. Acreditamos que esse norte, além de conter um simbolismo de deferência à luta dos ativistas que nos sucederam, também deve ser materializado em obras que contribuam para a sociedade civil. As ações do Centro Acadêmico XI de Agosto no sentido da Memória compreendem a lembrança dos mortos e desaparecidos que viveram e foram assassinados em nome da democracia, da vontade popular e da construção do país que sonhamos.

Os nomes de Arno Preis e João Leonardo da Silva Rocha, antigos alunos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, se fazem presentes nessa semana de luta histórica mais do que nunca. Arno, diretor do XI, e João Leonardo, diretor da Casa do Estudante, são faróis que mostram que podem matar o corpo, mas não há como matar a ideia. Por outro lado, seus Gama e Silva e Alfredo Buzaid, ex-diretores e ministros dos governos militares, têm seus quadros cobertos em sinal de luto, demonstrando que esse Território Livre não tem espaço para o fascismo congênito da extrema-direita. Luís Antônio Gama e Silva foi o principal elaborador das primeiras listas de docentes da USP cassados e sumariamente demitidos pelo Regime. Como ministro, é responsável pela redação do Ato Institucional nº 5. A história conta que ele considerava a versão publicada “muito branda”, tendo defendido que o AI-5 deveria extinguir o Congresso e o STF permanentemente. Já Buzaid foi uma das principais mentes na construção da doutrina e da prática Integralista. Na Faculdade, foi diretamente responsável pela criação do Comando de Caça aos Comunistas, que depois se espalhou por São Paulo e pelo Brasil. Seu papel à frente do Ministério da Justiça foi de encobrir diretamente casos de tortura e assassinato sob a fachada de que os “militares respeitavam os direitos humanos”.

No centro do véu que os cobre, está estampada a frase de Arno Preis: “Prefiro morrer pelos meus sonhos a viver em um país injusto.” Arno morreu, e nos cabe diariamente o dever de lutar pela justiça em nosso país. Em nome da Verdade, pedimos que as lacunas da história sejam preenchidas pelos documentos e registros ainda não divulgados sobre aqueles anos. Requeremos, para que se torne acessível a informação à comunidade, junto à Faculdade de Direito, a publicação das atas da Congregação, órgão que reúne os professores catedráticos, diretor e representantes discentes para a decisão das políticas internas da instituição, dos meses de março e abril de 1964 e dezembro de 1968, bem como a priorização do acervo documental do Centro Acadêmico XI de Agosto desta época.

Finalmente, pela Justiça, exigimos que o erro de perdoar quem conspira contra o Estado de Direito não seja repetido, e que, em nome de proteger o projeto de país soberano e democrático, os golpistas de 2022 sejam punidos exemplarmente. Em favor deste pilar, também, requeremos, junto à Reitoria da Universidade de São Paulo, a proibição de homenagens a personagens da Ditadura Militar brasileira e a reavaliação das honrarias previamente concedidas.

Nossa tarefa histórica é blindar o Estado Brasileiro de novas irreflexões autoritárias das Forças Armadas e da Extrema-Direita. Em 8 de janeiro de 2023, vimos o eco do que a covardia estrutural na década de 1980 legou às gerações posteriores; redemocratizamos o Brasil, sim, tivemos amplas vitórias em um projeto de Constituição, também, mas deixamos passar em branco o que era de mais importante: a democracia real e a justiça social. Seguiu-se o ritmo comum da América Latina – quebrado pontualmente por algumas nações, como a Argentina – e se permitiu que a impunidade fosse o prêmio aos ditadores brasileiros.

Conhecemos, de fato, o caminho maldito: demoramos a contar nossos mortos e nunca punimos nossos algozes. O que se reverbera, nesse sentido, é uma ignorância sobre a profunda crueldade pela qual passaram homens e mulheres, pais e mães, filhos, avós. Não é normal que uma parcela considerável da população peça por intervenção militar; o descomprometimento com a democracia e, pior, a exaltação do que foi um período de tortura e morte indiscriminada, só pode partir de uma sociedade que não foi bem-sucedida na tarefa de memorar os assassinados, descobrir os desaparecidos e oferecer a devida justiça. E é nesta direção que deve caminhar a luta do movimento estudantil. Cabe a nós reivindicarmos a punição dos filhos golpistas de uma geração golpista de 1964. Anistia a fascistas, jamais! Para que não se esqueça, para que jamais aconteça!

Golpe nunca mais, democracia sempre!

Mariana Belussi - Presidente do C.A. XI de Agosto
Francisco Villela - Diretor Político do C.A. XI de Agosto
Júlia Wong - Secretária-Geral do Centro Acadêmico

Junte-se à luta!